quinta-feira, 8 de setembro de 2011

era assim













então era assim:
ela só tinha que ser feliz
mas acontece que já era tarde

esquina com o amor















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e quando a noite chegou, ele a abraçou forte
era o primeiro do resto dos dias de ambos
e como fosse impossível prever
não durou mais que um breve piscar de olhos
na esquina do imprevisível com o inaceitável despediram-se
e... nunca mais amor
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milena bandeira

já era tarde...


















‎.
não era tarde.
era noite,
mas nem era tarde.
era o começo,
e como todo começo,
era bom.

não era dia.
era noite,
mas tarde da noite.
era o desenrolar dos fios
novelos emaranhados
era lindo.

não era noite.
era frio,
mas o peito ardia.
era a despedida
do que mal começara
era fim.
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milena bandeira

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

olhos insones
















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os olhos insones revelam o que eu não desejara
mais que palavras, rendo-me aos pedaços
nessa revelação insólita, indesejável, infantil

eu estava bem ali, assistindo minha queda
e foi real
e pareceu um sonho
e em ambos, você estava lá...

das noites em que morpheu não me visita
restam-me as olheiras, o vermelho da retina
lágrimas que embaçam o sol
e um gosto amargo de vida perdendo o sentido...
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milena bandeira

a roupa que não cabe mais...















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o que fazer com a roupa que não cabe
o sapato apertado
o espelho embaçado
a angústia abafada?

o que fazer com os sonhos esquecidos
mil tesouros enterrados
e todos os planos adormecidos?

por que cada hora se precipita num assomo
e o tempo parece parar por um segundo,
exatamente aquele segundo em que me perco
inteira dentro de mim
estilhaçada demais para nós?

por que, no peito - totalmente enfurecido -
o velho coração insiste em bater?
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milena bandeira

desgaste






















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eu me desgasto em detalhes
procurando as chaves certas da porta errada
por onde jamais entrarei

eu me distraio em becos
tentando achar o que perdi
quando ainda entre os dedos o objeto desejado grita

eu me arrebento em fúrias insanas
entre paredes que nunca pintei
e me descubro frágil

eu me antecipo lúcida
além dos labirintos vencidos
e tudo parece um risco.

eu caio.
mas já se foram as mãos e as certezas.
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milena bandeira

amores pretéritos















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há amores que, mesmo pretéritos,
ainda iluminam a sala
esbarram em cortinas antigas
alteram a direção dos ventos
e se fazem presentes.
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milena bandeira

tinta frágil














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eu me distraí em sonhos que não me pertenciam
eram ilusões escritas em papel, tinta frágil,
delicados dedos as cometeram...
e em pânico, ainda absorvida neste
estranho mundo que criou para nós,
eu não vi teus passos na calçada,
o ronco suave do motor arrancando...
não partindo apenas da garagem,
indo...
levando consigo o que havia de melhor em mim:
você.
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milena bandeira

tantos sonhos






















.
tenho tantos sonhos dentro de mim
tanta coisa que lateja
e ameaça sair
e que pode ser para o bem
ou para o mal

eu tenho dentro de mim asas
ser alado dividido entre dois mundos
um pede para ficar
o outro para partir

eu tenho o mundo dentro de mim
mas não cabe mais no peito
.

milena bandeira

sábado, 3 de setembro de 2011

dentro do furacão




Talvez eu até estrague tudo mesmo. E talvez, também, você tenha tentado de todas as maneiras... Quem sabe é pra ser assim: eu não ter jeito de virar gente. E você sempre insistindo em algo sem conserto: defeito de fabricação. Você sempre espera a pessoa calma, tranquila, eternamente simpática, que fale pouco e baixo, a compreensiva, a pessoa que não pode ter rompantes de raiva ou fúria.

         Desculpe não ser quem você sonhou. Tantos defeitos e falhas irreparáveis... É difícil pensar dessa maneira, mas talvez não seja pra ser. Ou já tenha sido. Talvez tudo de bom, ou de possibilidades futuras, tenham ficado no passado, quando você desistiu de nós. Quando tudo parecia infinitamente perdido e incerto. Olhe pra hoje: agora sim, tudo parece perdido e incerto... e ainda estamos aqui. Não somos os mesmos, não temos os mesmos defeitos, não amamos direito. Porque eu acho, de verdade, que deve haver um jeito certo de amar. Os sentimentos devem ser preservados. Nós não os preservamos. Nós não nos preservamos. E tudo porque ainda temos medo de sermos preenchidos por esse vazio que vez em quando nos assola... não era pra gente ter medo do vazio, ou da chuva forte, ou das tempestades devastadoras... era pra gente ter medo era de não amar mais. De não se amar mais... a vida toda perdendo o sentido e nós aqui, de mãos atadas... pela nossa ignorância, falta de vontade, e talvez, até, por amar de menos.

O seminário

















            Ela acabara de assistir ao seminário sobre sua autora preferida. A alma transbordava de euforia, êxtase. Essa já mencionada felicidade clandestina. Dirigiu-se à renomada biógrafa com a intenção de um autógrafo. Eis que o conseguiu. Entrou no elevador e todos os seus pensamentos se elevavam. O silêncio reverberava dentro dela, fazendo tilintar suas ânsias secretas, seus sonhos obscuros. Ela voava.
Abraçada ao livro, caminhou em direção à saída. Lá fora, na calçada, o vento forte a apanhou de assomo. E num átimo de segundo, desses instantes inusitados e efêmeros que seguramos pela mão, ela se encheu de tristeza. Ela não sabia explicar. Ela apenas sentia.
Sentou-se calmamente no banco da praça. O vento ainda soprava forte. E frio. No céu, as primeiras estrelas apareciam. Anoitecia. E dentro dela já era noite. Ela se sentia incomodada. Não era o vento, não era a noite, não era a praça. Certos descontentamentos lhe inebriavam os sentidos. Ela experimentou um frio lhe percorrendo o corpo: a espinha, os joelhos, a boca do estômago.
Decidiu telefonar para ele. Ela pensava em cinema, refrigerante, amor. Essas pequenas cotidianices lhe prometiam felicidade efêmera. Ela lhe chamou para compartilhar isto. Ele recusou. Melhor seria manter a distância entre eles. Ele a julgava nociva. Entregar-lhe a alma, mostrar-lhe bons sentimentos o tornaria vulnerável, a ela e ao velho relacionamento, já tão maltratado.
Ela saiu da praça meio perdida, tentando assimilar as duras palavras dele. O som de buzinas se misturava com o colorido dos faróis e semáforos. O vento balançava as folhas novas das árvores centenárias. E os pingos de chuva recém caídos do céu se misturavam com suas lágrimas, brotadas de uma face já abatida.
Segurando o caderno contra o peito, não ouvia mais os sons angustiantes da cidade. Não havia velocidade. E tudo se perdia entre esquinas, ônibus e bancas de revistas. Seus passos se apressaram nas calçadas; era necessário chegar logo. Não se sabia onde, mas era imprescindível que fosse logo.
Distraída entre becos e soluços, não ouviu o som familiar, não viu a aflição no rosto dos transeuntes ao atravessar a rua. Dentro dela, apenas um silêncio paralisante. Ela finalmente estava livre.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

de ser reticência.


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dentro de mim, abismos de palavras. uma milena nunca fica sem ter o que dizer. até peca pelo excesso, nunca pela falta. aqui estou eu, tão danificada - material defeituoso - não consigo me entregar às palavras ou deixá-las me invadir. tenho medo. elas, quando proferidas, goodbye, blue sky! não se volta ao ponto de partida. medida. intermédio entre pensar e falar. às vezes, seria melhor mesmo não tê-las, ficando assim um manifesto silenciado, buraco no meio do peito... algumas palavras jamais deveriam ter sido inventadas!
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